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14.01.2020

Álbum de figurinhas

Quando estou com meus amigos, sinto um bem estar enorme por causa do clima de companheirismo e de solidariedade. Conversamos descontraidamente. De vez em quando falamos de um ou outro, realçando suas peculiaridades, suas idiossincrasias, seu modo de agir que de alguma forma nos chamou a atenção. São as “esquisitices” próprias de cada um. E comentamos: “ele é uma figura”, “esse cara é uma figurinha carimbada” etc.

Este tipo de expressão está relacionado, no fundo, com nossas experiências infantis com algo muito importante naquela fase: nosso álbum de figurinhas. Como era bom chegar à escola e perguntar quem tem esta, quem tem aquela, e do clima de suspense quando abríamos os pacotinhos. Lembro muito bem do dia em que achei uma figurinha carimbada num dos pacotinhos que eu havia comprado com o dinheiro da venda de picolés de casa em casa: a sensação de ter descoberto um tesouro. Não queria trocá-la com ninguém. Não queria nem mesmo colá-la no álbum com medo de que fosse roubado, e com ele, meu tesouro. (Uma figurinha carimbada era uma figurinha especial, rara, de tiragem limitada e por isso mesmo, dificílima de ser encontrada).

Hoje não coleciono mais figurinhas. Coleciono livros, cadernos, coleciono boas e más experiências desta vida, sonhos, alegrias e tristezas. Guardo comigo as amizades que fiz e que ainda hoje me são importantes. E com tudo isto em mente, havia já há muito tempo, contado minhas experiências infantis ao meu filho, falando da persistência, do cuidado e de nunca desistir dos objetivos: se for para completar o álbum, então lute por isto!

Certo dia, quando ele tinha sete anos de idade, chegou com lágrimas nos olhos e não queria conversar. Depois de muita insistência, ele disse que o álbum comprado no dia anterior não poderia ser levado à escola. “É proibido”. Dá muito trabalho para as professoras fazer com que os alunos guardem as figurinhas e prestem atenção na aula. Imediatamente lembrei-me da minha infância e do meu álbum. Não falei nada a ele, apenas ouvi seu desabafo. A escola não conversou com as crianças e “para o bem delas” proibiu. Democracia unilateral.

No dia seguinte, ao levar meu filho para a escola, vi duas crianças escondidas atrás de um carro no estacionamento, abaixadas para não serem vistas e com as mochilas ocultando alguma transação proibida: estavam trocando figurinhas. Como proibir algo que faz parte da infância? Proibir a identificação com seus pais, ou avós?  Aquele ato inocente de trocar figurinhas estava sendo criminalizado.

Se não podem impedir que as figurinhas e os álbuns continuem entre eles que tal orientá-los? Ou de que forma poderiam incluir esta força característica da infância (colecionar) para servir de complementaridade pedagógica? Como realizar na prática a formação integral proposta pela escola?

Fiquei com um sentimento muito forte de que a escola tornou a vida daqueles “colecionadores” um pouco mais triste, e levou seus sonhos infantis para outra esfera, longe da sala de aula. A escola parece-lhes que não pode ser um lugar para ter sonhos ou prazer. Nem para se ter histórias para contar aos filhos ou aos netos.

Todos nós sabemos que dá muito trabalho para as professoras lidar com conversas, álbuns, figurinhas, trocas, cultura, tradição, compra e venda, troco, desconto e tantas outras operações “mercadológicas”. Entretanto, são temas da própria escola. Tem alguma coisa errada. E não é com as crianças.

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